Rebento

Marcos e Sofia

Começar de novo! Era quase um lema de vida para Sofia. A vida dela ia de recomeço em recomeço. Não dava certo aqui, ia por ali. Uma porta se fechava, passa pela janela, dizia ela para seu filho, Marcos. Sempre há o que começar, sempre se pode recomeçar. 

 

Foi num desses recomeços, que Sofia teve que ir parar na casa de seu Evaldo. Ela mal o conhecia, mas como perdera tudo numa enchente, aceitou a única mão estendida que apareceu. Ele tinha uma casinha, numa rua pouco movimentada. No fundo do quintal, um quarto, abandonado há anos. Mas quando Sofia viu, disse que ali cabia uma mãe e seu filho desabrigados. Seu Evaldo não queria nada em troca. Mas pedia uma ajuda para as tarefas domésticas. Sofia dizia que daria conta do recado.

 

Toda manhã, enquanto Marcos ia para a escola, Sofia aproveitava para sair e procurar emprego, voltava antes do meio-dia para preparar o almoço e esperar o menino voltar. Naquele dia ele não voltou. Passou uma hora, passaram-se duas e mais algumas. A angústia tomava conta de Sofia, que não sabia o que fazer. Já tinha ido até a escola, não encontrou seu filho. Refez várias vezes o mesmo caminho entre a casa e o centro de ensino, não viu nada. Ninguém havia visto nada. Seu Evaldo, que estava no trabalho, chegara por volta das 17h30. Viu Sofia sentada no sofá, cabeça entre as mãos, cotovelos nos joelhos e olhos fechados. Perguntou logo o que havia acontecido. Sofia, quase sem querer falar respondeu que seu filho não voltara da escola. Que já havia procurado e não o havia encontrado. Temia o pior. Desta vez o otimismo que lhe era característico não estava ali. Não se dizia que iria encontrá-lo. Não acreditava que poderia recomeçar se algo acontecesse com ele. Só sabia se perguntar: onde ele está?

Seu Evaldo ficou parado, entre a porta e o sofá. Olhos arregalados, respiração lenta. Depois, inspirou profundamente, soltou o ar devagar, como se estivesse se preparando para dizer algo indizível. Ele deu alguns passos, sentou-se do outro lado do sofá, olhou para Sofia e disse-lhe: minha filha, você sabe que o Marcos não foi para a escola. Você sabe que ele não está aqui. Sofia então levantou a cabeça, fitou os olhos marejados de seu Evaldo e respondeu que seu filho chegaria. Que ele não estava longe. E que ela ia esperar. Levantou-se e foi para o quarto dos fundos.

Seu Evaldo pegou o telefone e chamou Eunice. Amiga de Sofia que estava também morando de favor na casa de um vizinho dele. Eunice também perdera sua própria casa nas enchentes. Ela logo veio. Passou por dentro da casa, saudou seu Evaldo e foi ao quartinho onde estava Sofia.

Quando entrou, viu sua amiga dobrando as roupas do filho, o que lhe restava de roupas. Eunice foi acolhida com um sorriso de canto de boca. Sofia estava aflita. Minha amiga, disse ela, meu Marcos ainda não voltou da escola. Já está tarde. Não sei mais o que fazer.

Eunice se sentou do lado de Sofia, colocou a camiseta que ela dobrava do lado da cama, pegou as mãos trêmulas de sua amiga e, olhando com carinho lhe disse: minha amiga, o Marcos não vai voltar. Ele desapareceu durante as enchentes. Encontraram seu corpo a quilômetros da sua casa. Você não pôde fazer nada. Ele estava dormindo quando tudo aconteceu e você estava no trabalho, achando que ele tinha ido para a escola.

Sofia ficou parada, olhando para o horizonte com o olhar vazio. Eunice não sabia o que dizer. O que se pode dizer quando uma mãe perde seu filho, e de uma maneira tão brutal? Não se pode dizer nada. Qualquer palavra pode ser demais, e nenhuma palavra é suficiente. Não existe vocabulário para uma mãe que perde o filho. Aquela enchente levara o coração que batia fora do peito de Sofia. E ela não sabia, pela primeira vez em sua vida, ela não sabia como recomeçar.

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