2 Mai 2025
Severo e Celeste
Levantou-se e foi!
De uma decisão maturada, como uma fruta que amadurece esperando o tempo da colheita. Exigia coragem. Tudo exige coragem quando se vive no limite. E eles sabiam o que era isso. O limite do alimento, na escassez das estações secas. O limite da amizade, nas partidas daqueles com quem dividiram tantas histórias, mas que tiveram que ir para não padecer.
Era meado de fevereiro. O sol castigava quem ousava desafiá-lo. O rosto de cada trabalhador transmitia uma mistura estranha de sofrimento e esperança. De esperas e desespero. E foi numa dessas lidas que Severo se pegou a pensar na possibilidade de também ir-se. Mas não poderia ir sozinho. A esposa, Celeste, e os oito filhos não poderiam ficar. Quando pensou a primeira vez na possibilidade da partida, foi tomado por um medo desconhecido. Por uma angústia disfarçada num sorriso amarelado.
Ir para quê? Se perguntava. Mas quando chegava em casa e via o fogão à lenha com uma só panela e um resto de feijão esperando para o jantar, os filhos olhando as mãos vazias do pai e Celeste enxugando o rosto numa mistura de lágrimas e suor, ele sabia que não poderia ficar muito tempo ali. Precisava escolher entre viver ou deixar-se morrer.
E assim foi, ele foi, eles foram.
A caminhada durou dias, semanas. Foram rumo à promessa de tempos melhores. Como tantos outros que já haviam partido. Há algo de doloroso em partir. E ao mesmo tempo, algo de excitante. Descobrir algo novo. Adentrar em terras desconhecidas. Viver uma vida diferente. Talvez tornar um sonho em uma realidade. Mas há algo de desesperador também. A insegurança do que ainda não é. O medo de não ter tomado a decisão correta.
E se não der certo? - Perguntava-se Severo. Mas era necessário ir! Ir e deixar para trás aquela vida e suas incertezas. E, naquele vai e vem de emoções, ele sabia, eles sabiam, que deixavam também os amigos, as poucas relações que lhes permitiam sentirem-se existir. E com o coração apertado, os filhos menores na carroça, os maiores ladeando-a, eles foram, sem olhar para trás, escondendo a emoção de partir. Fingindo que o medo não era companheiro, eles foram. Deixando um pouco de suas histórias. Sem saber se um dia poderiam voltar. Foram! E ali perceberam que ir é arrancar-se. E muitas vezes, aos poucos!
O medo de não dar certo é o que impede muitos de fazer grandes coisas, Severo sabia disso. O medo da frustração, da derrota, do dedo apontado. Mas enfrentar esse medo é o começo de uma caminhada sem volta. Tomamos gosto pela aventura. Torna-se delicioso o andar em frente. Talvez seja este o primeiro êxodo, antes do primeiro passo: o sair de si. O enfrentamento desse monstro escondido que paralisa. E se não der certo? Nos perguntamos. E nunca indagamos: e se der? Se não der certo, começa de novo. Sempre há caminho para caminhar. Sempre há chão para desbravar. Sempre há poeira para levantar. E foi assim que Severo e Celeste se foram. Foi assim que os filhos seguiram. Foi assim que eles começaram a contar, de uma nova maneira, suas próprias histórias.